Não é de hoje que se vê no futebol times utilizando a prerrogativa de fazer faltas como parte de sua estratégia de jogo.
À medida que as questões táticas vão evoluindo, com os clubes e técnicos dando cada vez mais ênfase a este aspecto, percebem-se mais claramente estratégias como o rodízio de jogadores para marcar um adversário muito qualificado, de forma a reduzir o risco de expulsão por uma falta cometida; faltas ostensivas para “matar o contra-ataque”; cometer a falta no meio de campo para parar o jogo antes que o lance fique perigoso demais e assim tantas outras.
Ocorre de maneira exatamente igual em outros esportes de contato. Parece-me claro então que a falta, com as sanções que lhe são cabíveis, desde o tiro livre até o cartão vermelho, são parte do jogo e devem ser gerenciadas da melhor maneira para que se atinja o objetivo final. O que é isso senão um gerenciamento de riscos?
Hoje isso parece óbvio, mas há pouco tempo não era, pelo menos para mim. Parecia que era necessário evitar faltas e ponto final, sob pena de o time ser visto até mesmo de modo pejorativo.
Pois bem. Usei esta analogia singela para atrair a atenção do leitor menos interessado no “juridiquês”, mas também para abordar algo que me parece tão lógico quanto, mas que é ignorado por muita gente.
Não é segredo que o advogado é visto muitas vezes, em especial no ambiente corporativo, como o cara burocrático que “fala ‘não’ para tudo”. Ele faz isso por uma razão, que é bastante compreensível. Ora, afinal ele foi treinado desde os bancos das faculdades para enxergar a ilegalidade, apontar e dizer que não pode e tratar sempre o que é uma exceção de fora do cotidiano como se fosse uma realidade iminente. Mas cá entre nós, a fama de chato que inviabiliza tudo também acaba sendo justa né? Acontece que no mundo dos negócios não dá mais pra jogar só o “futebol arte”.
Tenho certeza de que o profissional que vai sobreviver à “carnificina da inteligência artificial”, ao “terror dos robôs devoradores de advogados” vai ser aquele que faz o que a máquina não faz: dentre outros com atuação inteligente, proativa e multidisciplinar, vai ser aquele que ajuda a parar o contra-ataque para viabilizar o jogo de marcação alta e intensidade no ataque, que orienta a fazer a falta no meio de campo, o que aprende a “sair jogando e não ser o zagueiro do chutão” no jogo econômico, melhorando a capacidade do time de fazer gols.
Longe de mim sugerir aqui que o advogado deva recomendar um descumprimento ostensivo da lei, mas em tempos de normas cada vez mais fracas; decisões judiciais e precedentes cada vez mais fortes, passando por cima destas mesmas leis, não existe uma imensa e as vezes ininteligível lacuna entre o que é legal e o que não é?
Sendo o profissional mais habilitado para isso, não seria mais inteligente que o advogado se preparasse para, da maneira mais eficiente possível, atuar como tomador de decisões (por que não?) ajudando a empresa que assessora (internamente ou não) a analisar o custo-benefício de determinadas decisões jurídicas como parte da gestão de negócios, maximizando sua entrega de resultados? Isso pode, em determinada medida, acarretar o aumento de processos judiciais ou do risco de sofrê-los? Eventualmente sim, mas caso se conheça o risco, a probabilidade de sua materialização, maximizando-se resultados sem se expor a ilegalidades ostensivas que tenham outras repercussões, qual o problema? Diminuir o número de processos é bacana, mas não deve ser uma premissa absoluta na minha opinião.
Na advocacia consultiva, explicar para o seu cliente (ou empregador) o risco de se retirar uma cláusula do contrato ou reduzir suas salvaguardas para viabilizar um negócio, ainda que às custas de se correr algum risco não totalmente coberto pelo documento não seria mais inteligente do que inviabilizá-lo em nome do risco zero? Ora, afinal de contas, se o contrato é, invariavelmente um documento incompleto, tendo em vista a assimetria de informações entre as partes (não entendeu? Está na hora de estudar um pouco de economia), esse risco já não existe de qualquer jeito? Ou você ainda está na ilusão de que a sua minuta é perfeita?
Sei bem que o papel do advogado não é, em regra, tomar esse tipo de decisão, mas não poderia ser? Ou pelo menos ir além do que a simples análise do “pode ou não pode” na hora de fazer o negócio.
Quanto mais essa postura “pró-negócio” fizer parte do departamento jurídico das empresas ou da atuação dos advogados nos escritórios, mais eles deixarão de ser vistos como meros “backoffices” e os valores gastos como “despesas com burocracia”. Uma postura diferente poderia impactar até mesmo na governança das empresas, trazendo o Jurídico para o centro da tomada de decisões. Isso fatalmente traria valorização aos advogados e não o contrário.
Atuando assim, as ferramentas de jurimetria que estão “dizimando” os pesquisadores de jurisprudência vão ser suas aliadas e não concorrentes. O ChatGPT não vai fazer seu trabalho, mas liberar tempo para que você o faça. Criar uma metodologia de cálculo de risco e probabilidade de materialização de contingências vai fazer com que você entre no core business do seu cliente/empregador. E assim tantas outras ferramentas.
“Ah, mas eu sou advogado e não economista, nem contador, nem administrador”. Pois é, meu caro! É bom rever seus conceitos!
Lembra do “volante estilo pitbull”? Jogador que não entende de tática e só faz uma função também está sendo deixado de lado.