Fonte: ConJur
A relevância que a agenda ESG vem recebendo no mercado encontra fundamento nas concepções de novo capitalismo e capitalismo sustentável, em que o valor em uma empresa está atrelado não apenas ao lucro, mas também à sua responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Nesse contexto, a letra G do famoso acrônimo concerne principalmente ao conjunto de normas, de regras e de princípios que asseguram que as companhias não utilizem seus recursos para fins egoísticos e escusos, protegendo acionistas de abusos, promovendo a transparência e amenizando os famosos conflitos de agência.
As sociedades por ações são palcos de diversos conflitos internos e externos, ocasionados principalmente pela multiplicidade de interesses em jogo, sendo frequente no cotidiano dessas empresas a convivência entre diversas categorias de sócios, com ou sem poder de voto (titulares de ações ordinárias ou preferenciais), minoritários e majoritários, controladores e não controladores, administradores, diretores, meros investidores que aplicam seu capital no mercado de bolsa de valores com a intenção de auferir dividendos da companhia, entre tantos outros.
No Brasil, não são raros os estudos que apontam a tendência de concentração acionária, em que predominam estruturas societárias com a presença de um acionista majoritário ou controlador, que reverbera suas vontades na maioria das deliberações da companhia. Nesses cenários, os conflitos derivados da separação entre propriedade e controle (conflitos de agência) se desenvolvem de um modo específico, pois, ao invés de decorrerem do relacionamento entre principal e agente (proprietário e gestores), transcorre do relacionamento entre os próprios principais (acionistas majoritários e minoritários ou controladores e não controladores) [1].
Por conseguinte, é possível vislumbrar que, em contextos de grande concentração de poder, a tendência ao abuso acaba sendo algo natural que emerge da própria estrutura societária, modificando o padrão de comportamento dos agentes, que passam a ter como conduta normal o abuso, instrumentalizado toda a estrutura societária da empresa como meio para salvaguardar os interesses do acionista controlador em detrimento da própria companhia e dos demais sócios [2].
No ordenamento brasileiro, a Lei nº 6404 de 1976 (Lei da Sociedades Anônimas) nasceu tendo como um de seus principais pilares o desenvolvimento do mercado de ações no Brasil. Assim, considerando a correlação positiva entre a proteção dos investidores frente a possíveis abusos e o desenvolvimento do mercado de capitais, visto que, sem essa proteção, não haveria incentivo às negociações acionárias, a Lei das Sociedades Anônimas incorporou importantes mecanismos para reduzir os conflitos de agência e a posição de desprestígio dos sócios minoritários.
Um dos principais instrumentos de proteção aos direitos das minorias incorporados pela Lei das Sociedades Anônimas é o tag along, que, em tradução literal, pode ser sintetizado como “ir junto” ou “etiquetar conjuntamente”. Tal instrumento possui aplicação nas operações de alienação do controle acionário das companhias, assegurando aos minoritários o direito de vender, simultaneamente aos controladores e em condições semelhantes de preço, suas participações.
Embora o tag along tenha ganhado destaque nos anos mais recentes, a Lei de Sociedade Anônimas, em sua redação original, já dispunha do instrumento como forma de proteção aos acionistas minoritários, devido, principalmente, à intenção da legislação societária em incentivar o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro através de mecanismos de transparência, de governança e de accountability, contribuindo para o aumento da confiança do investidor no mercado.
Conforme a redação originária, a alienação do controle da companhia aberta encontrava-se condicionada à aprovação prévia da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que deveria zelar para que fosse assegurado o tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante oferta pública para aquisição de suas ações, ou seja, era imposto ao adquirente do controle societário da companhia a obrigação de realizar a oferta pública para adquirir as ações de propriedade dos acionistas minoritários em condição de preço igual ao ofertado à ação do controlador alienante.
Porém, com o intuito de promover uma minirreforma na Lei de Sociedades Anônimas, através da Lei 9.457 de 1997, também conhecida como Lei Kandir, abrindo o mercado brasileiro para uma série de privatizações de empresas estatais, o artigo 254 da Lei 6404 de 1976 foi revogado sob a justificativa principal de redução de custos da operação de alienação do controle acionário. Assim, não existia mais na legislação a obrigação de oferta pública aos minoritários pelo exato preço oferecido aos alienantes controladores.
Após um período de desalento para os minoritários, iniciou-se um novo movimento para retorno do tag along como instrumento de proteção dos interesses minoritários e de fortalecimento do mercado de capitais brasileiro, que resultou na introdução do artigo 254-A na Lei de Sociedades Anônimas em 2001, restaurando o direito de saída conjunta dos acionistas minoritários quando da alienação do controle da companhia. Entretanto, com novo tag along, o retorno da oferta mínima pelas ações com direito a voto dos minoritários, que, na redação original do artigo, era de 100%, passou a ser de 80% do valor pago à ação integrante do bloco de controle.
Indubitavelmente, uma das principais questões inerentes ao tag along diz respeito à destinação do “prêmio de controle”, ou seja, da diferença entre o valor econômico das ações do bloco de controle e o valor dado a essas ações pelo mercado. Em um viés liberal, podemos encontrar autores que defendem que o prêmio de controle é exclusivo do controlador, sendo esse último livre para aliená-las, licitamente, pelo preço e por condições que melhor lhe convier [3]. Por sua vez, em sentido contrário, tem-se uma segunda corrente dispondo que o prêmio de controle pertence à companhia, configurando um ativo a ser socializado entre minoritários e majoritários, sendo sua apropriação pelo controlador um ato ilícito [4].
Desse modo, vislumbra-se que a legislação brasileira acolheu, no artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas, uma visão muito mais próxima da segunda corrente, contudo, com importantes peculiaridades, garantindo, por exemplo, a socialização do prêmio de controle a todos os acionistas da mesma espécie e classe (titulares de ação com direito a voto). Assim, o tag along, conforme disposto na Lei das Sociedades Anônimas, possui respaldo na tentativa de ofertar um tratamento equitativo, possibilitando que os acionistas ordinários minoritários tenham o direito de receber 80% do preço, por ação, pago ao bloco controlador. Portanto, o prêmio de controle não pertence nem aos controladores nem à companhia, mas, sim, a todos os acionistas com direito a voto [5].
Ademais, em um mercado tão cheio de particularidades como o brasileiro, entre as quais se pode citar a grande concentração de negócios em poucas ações e em ações de poucas empresas, estruturas societárias com a presença, muitas vezes, de apenas um acionista majoritário ou controlador, que reverbera seus interesses na maioria das deliberações da companhia, o tag along acaba por constituir, juntamente com o direito de recesso, um dos principais aparatos de proteção dos minoritários, haja vista ofertar liquidez para a saída de investimentos [6].
Contudo, mais que um mecanismo de liquidez, de socialização do prêmio de controle e de regulação das relações minoritários-majoritários, o tag along tem se destacado como importante instrumento de governança corporativa.
Em breve síntese, a governança corporativa pode ser compreendida como o sistema de direção e de monitoramento das sociedades, envolvendo, assim, os relacionamentos entre acionistas, cotistas, conselho de administração, conselho fiscal, diretoria, auditoria e outras participantes desse ambiente, possuindo como objetivo o aumento do valor da sociedade e a atração de capital e de outras fontes de investimento.
Conforme exposto no início deste texto, o desenvolvimento do mercado de capitais está intrinsicamente relacionado ao nível de proteção dos investidores. Desse modo, são muitas as companhias, entidades reguladoras e autorreguladoras que já constataram que a alocação de recursos em ações e demais instrumentos de valores mobiliários somente ocorrerá quando o investidor estiver seguro, envolvendo, nesse ponto, tanto a observância aos seus direitos políticos, a transparência, a publicidade de informações e a segurança jurídica quanto a rentabilidade e a liquidez de seus investimentos. Dessa forma, é inquestionável que o tag along, como instrumento que intenta alcançar e promover um tratamento equânime entre minoritário e majoritários, acaba por caracterizar um fundamental instrumento de governança corporativa nas companhias brasileiras.
A constatação da importância do tag along para a governança corporativa pode ser visualizada na relevância que esse mecanismo tem recebido no mercado, principalmente como forma de filtro positivo (positive screening), ou seja, instrumento fomentador de um ambiente de concorrência não só pautado em taxas de rentabilidade, mas também na análise da adoção de práticas de governança, de compliance e de proteção dos direitos dos investidores.
A título de exemplo, a B3, reconhecendo a necessidade de promover o ambiente de governança e boas práticas no mercado de capitais, passou a investir na criação de segmentos de listagem, selecionando companhias a partir de critérios rígidos e específicos de governança corporativa. No tocante ao tag along, o segmento Nível 1 admite companhias que realizem a concessão de tag along nos moldes da legislação societária, ou seja, 80% do valor ofertado às ações integrantes do bloco de controle. Nos segmentos Novo Mercado e Bovespa Mais, a porcentagem de tag along exigida passa a ser superior à previsão legal, de forma que os acionistas ordinários passam a ter o direito de vender suas ações pelo mesmo preço (100%) atribuído às ações detidas pelo controlador. Por sua vez, para serem listadas no Nível 2 e no Bovespa Mais Nível 2, as companhias, além de estenderem o tag along na porcentagem de 100%, devem abranger tanto os acionistas com direito a voto (portadores de ações ordinárias) quanto os acionistas sem direito a voto (portadores de ações preferenciais).
Portanto, o que se observa é que, além de uma disposição legal, o tag along passou a ser visto como um imperativo do mercado para a realização de investimentos, minimizando distorções estruturais decorrentes da concentração acionária e promovendo o alinhamento entre majoritários e minoritários.
Dessa forma, as gestões empresariais atentas aos mecanismos de proteção dos acionistas minoritários e alinhadas com os padrões ESG acabam por promover a perenidade das companhias e, consequentemente, uma geração de valor intrínseca às boas práticas adotadas, tendo em vista, principalmente, a crescente receptividade positiva pelo mercado desse novo tipo de gestão, denominado por muito como novo capitalismo ou capitalismo sustentável.
[1] Conforme Aieda Batistela Sirqueira, Aquiles Elie Guimarães Kalatzis e Franklina Maria Bragion Toleado é a partir da separação entre propriedade e controle surge o relacionamento de agência, que é o relacionamento entre o proprietário da companhia e os gestores (Boas Práticas de governança corporativa e otimização de portfólio: uma análise comparativa. Revista Economia, Brasília, v. 7, n. 3, p. 521-544, 2007, p. 523).
[2] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário: eficácia e sustentabilidade. 5ª. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019
[3] Como um dos principais expoentes desse viés tem-se o autor norte-americano Richard Posner na obra “Economic Analysis of Law”, 3ª ed., Little, Brow, and Company, Boston, 1986, p. 385/386.
[4] Nessa esteira pode-se citar Fábio Konder Comparato na obra “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 232/233.
[5] PENNA, Paulo Eduardo. “Alienação de Controle de Companhia Aberta”. In Tratado de Direito Comercial, volume 4: Relações Societárias e Mercado de Capitais. São Paulo: Saraiva, 2015.
[6] PRADO, Roberta Nioac. Fundamentos Jurídicos e Econômicos da OPA a posteriori (tag along) e a questão sob a ótica de empresas que praticam boas práticas de governança corporativa. Revista Direito GV, volume 2, número 1, jan-jun 2006, p. 167/190.